Mestre em Direito e Especializado em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor. Advogado.

Rio de Janeiro, Brazil
Mestre em Direito e Especialista em Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil. Professor de Direito do Consumidor, Responsabilidade Civil e Direito Civil (contratos) da graduação e da pós-graduação. Advogado militante.

sábado, 13 de agosto de 2011

Princípios fundamentais do direito contratual

Princípios fundamentais do direito contratual


a) Liberdade de contratar. Autonomia da vontade. Pacta sunt servanda.
b) Liberdade de forma
c) Função econômica e social do contrato.
d) principio da probidade e boa-fé contratual.
e) outros princípios importantes: dignidade da pessoa humana; relatividade dos efeitos contratuais; equilíbrio contratual; atipicidade (art. 425, CC/2002).

a) Liberdade de contratar. Autonomia da vontade. Pacta sunt servanda.

Liberdade de contratar -> art.421 CC
Até os dias atuais são adotados, nos contratos em geral, o denominado modelo liberal como sendo um inabalável paradigma, estabelecendo-se um dogma entre os operadores do direito em torno dos princípios da autonomia da vontade e força obrigatória, desde que livremente formalizados e com observância à ordem pública e aos bons costumes.

Essa concepção clássica do contrato, que tem na vontade a única fonte criadora de direitos e obrigações, exige, para seu implemento, um Estado ausente, ou seja, apenas garantidor das regras do jogo, que seriam estipuladas pelos contratantes na livre manifestação de vontade – pacta sunt servanda – em sua mais pura idealização.

A partir do CC/2002 a vontade expressa não se chocasse com a ordem pública e os bons costumes , estabelecia verdadeira entre as partes. A regra particular assim criada não poderia ser violada, nem mesmo pelo magistrado no julgamento da causa, ou seja, ressalvando exceções decorrentes de situações absolutamente imprevisíveis (teoria da imprevisão) ou de onerosidade excessiva, devidamente comprovada (lesão), não seria possível ao Estado ingressar e modificar a vontade das partes.

A liberdade de contratar impunha uma responsabilidade pelos compromissos assumidos. Não fosse assim, estaria em risco toda a segurança jurídica.. A nova concepção de contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para o qual não só o momento da manifestação da vontade (consenso0 importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato serão considerados. Há uma busca do equilíbrio contratual, onde a lei passa a proteger determinados interesses sociais, valorizando a confiança depositada no vínculo, as expectativas e a boa-fé das partes contratantes.

OBS:
– Dirigismo Contratual -> A passagem de um Estado Liberal de Direito, que se fundava na igualdade e na liberdade individual, para um Estado Social de Direito, cujo intenção é a proteção dos interesses sociais e da justiça social, ocorre por meio do intervencionismo estatal. O Estado moderno frente às desigualdades sociais do século XIX viu-se na necessidade de estabelecer uma igualdade de fato que os ideais de igualdade e de liberdade do liberalismo não foram capazes de tutelar.

Comentários: O intervencionismo se caracteriza pela ingerência estatal no cenário econômico. E sendo o contrato o instrumento que recebe diretamente os influxos econômicos, conseqüentemente se verifica o fenômeno do dirigismo contratual.

A massificação, antes de tudo, impõe a necessidade de rever os postulados clássicos do contrato. Diz respeito às transformações das funções e dos conteúdos dos contratos, importando o surgimento de novas figuras contratuais.

A estrutura clássica do contrato é completamente modificada e novos paradigmas são utilizados como anteparo à sociedade massificada. Não obstante, o contrato não perde a primazia de instrumento indispensável das trocas econômicas.

Contemporaneamente ao processo de intervenção estatal, assinala-se o fenômeno crescente das condições gerais. São situações muito próximas e coincidentes na função de dirigismo contratual e de estreitamento do princípio da autonomia privada, mas a incidência é distinta, ou seja, a primeira de ordem pública e a segunda, privada.


b) Liberdade de forma

No direito civil brasileiro vigora o princípio da liberdade das formas (princípio do consensualismo), através do qual é possível que o contrato seja celebrado pela simples manifestação da vontade. Os efeitos jurídicos do contrato serão gerados independentemente da forma pela qual a vontade se manifestou, a menos que a lei tenha estipulado forma específica (contratos formais). Logo, os contratos sem forma determinada pela lei são regra na legislação civil pátria.


c) Função econômica e social do contrato.

Referências legislativas: art. 421 e 2035, CC/2002.

Art. 421. A liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Orlando Gomes: A função econômico-social do contrato foi reconhecida, ultimamente, como a razão determinante de sua proteção jurídica. Sustenta-se que o Direito intervém, tutelando determinado contrato, devido à sua função econômico-social. Em conseqüência, os contratos que regulam interesses sem utilidade social, fúteis ou improdutivos não merecem proteção jurídica. Merecem-na apenas os que têm função econômico-social reconhecidamente útil. (Contratos. 17.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 20)

Gustavo Tepedino: Tal como observado em relação à propriedade, em que a estrutura interna do direito é remodelada de acordo com sua função social, concretamente definida, e que se constitui em pressuposto de validade do exercício do próprio domínio, também o contrato, uma vez funcionalizado, se transforma em um instrumento de realização do projeto constitucional. (...) Disto decorre que a norma do art. 421 não pode ser compreendida apenas como uma restrição ocasional à liberdade contratual – como se o direito subjetivo de contratar fosse, em si mesmo, essencialmente absoluto, embora sujeito a restrições externas – mas, antes, o próprio conceito de contrato deve ser reformulado à luz da função social que lhe é cometida. (Código civil interpretado: à luz da constituição federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 10)

De uma forma ampla, a inserção do princípio da função social do contrato no Código de 2002 está relacionada à revolução copernicana do direito privado. Por outro lado, tal princípio é exigência de uma das diretrizes estruturantes do CC/2002, qual seja, o princípio da socialidade. Traduz a ruptura com o regime individualista da codificação civil anterior e a consagração de um regime com um comprometimento social, inspirado em preceitos constitucionais como a justiça social, a solidariedade social, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e a redução das desigualdades sociais como preceitos de ordem constitucional.

O princípio da função social do contrato está contido em uma cláusula geral que se revela vinculante, sobretudo do ponto de vista axiológico, pois permite sejam permeados valores constitucionais a orientar a autonomia contratual. Impõe deveres referentes a interesses extracontratuais socialmente relevantes.

Enunciado n° 21, I Jornada de Direito Civil: A função social do contrato, prevista no CC 421, constitui cláusula geral, a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.

Enunciado n° 22, I Jornada de Direito Civil: A função social do contrato, prevista no CC 421, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.

Enunciado n° 23, I Jornada de Direito Civil: A função social do contrato, prevista no CC 421, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.

O Código Civil, art. 2.035, p. único, atribui à função social caráter de norma cogente:
Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

O parágrafo único do art. 2.035, CC/2002 consagra o chamado princípio da retroatividade motivada ou justificada, elevando a função social do contrato ao patamar de norma deordem pública e, por isso, é aplicável não apenas aos contratos celebrados a partir da vigência do código de 2002, mas também aos contratos celebrados ainda sob a égide do CC/1916 cuja execução se projetou para depois do CC/2002. O princípio da retoratividade motivada é um princípio anexo ao princípio da função social do contrato.

Ordem Pública -> as normas de ordem pública estabelecem valores básicos e fundamentais de nosso ordenamento jurídico, são normas de direito privado, mas de forte interesse público, daí serem indisponíveis e inafastáveis através de contratos. As leis de ordem pública são aquelas que interessam mais diretamente à sociedade que aos particulares.

Interesse Social -> são normas de interesse social, cuja finalidade é impor uma nova conduta, transformar a própria realidade social. As leis de função social caracterizam-se por impor as novas noções valorativas que devem orientar a sociedade. São leis, portanto, que nascem com a árdua tarefa de transformar uma realidade social, de conduzir a sociedade a um novo patamar de harmonia e respeito nas relações jurídicas.


d) principio da probidade e boa-fé contratual.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

O princípio da boa-fé objetiva também está contido em uma cláusula geral e, como tal, se revela vinculante, sobretudo do ponto de vista axiológico, pois permite sejam permeados valores constitucionais a orientar a autonomia contratual. Impõe deveres referentes a interesses extracontratuais socialmente relevantes.

Enunciado n° 27, I Jornada de Direito Civil: Na interpretação da cláusula geral da boa-fé objetiva, deve-se levar em conta o sistema do CC e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos.

Boa-fé subjetiva x boa-fé objetiva. Princípios da eticidade e da socialidade. Tutela da confiança.

A boa-fé objetiva pode ser compreendida como a exigência de conduta leal, proba, dos contratantes, tomada a partir de um enfoque social. Há ínsita relação da boa-fé objetiva com os deveres de conduta (deveres anexos, deveres secundários, deveres laterais), eis que a boa-fé objetiva:

Obriga as partes a terem comportamento compatível com os fins econômicos e sociais pretendidos objetivamente pela operação negocial. No âmbito contratual, portanto, o princípio da boa-fé impõe um padrão de conduta a ambos os contratantes no sentido da recíproca cooperação, com consideração aos interesses comuns, em vista de se alcançar o efeito prático que justifica a própria existência do contrato. (Código civil interpretado: à luz da constituição federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 16)

Judith Martins-Costa (A boa-fé no Direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999) exemplifica os deveres anexos:

- dever de cuidado e respeito em relação ao outro contratante;
- dever de segurança;
- dever de prestação de contas;
- dever de omissão de segredo;
- dever de esclarecimento de informação;
- dever de agir dentro da confiança;
- dever de lealdade e probidade;
- dever de colaboração (cooperação);
- dever de ser razoável e agir com bom senso e eqüidade.


Violação positiva do contrato: violação dos deveres de conduta. A violação positiva do contrato, embora não prevista expressamente na legislação civil brasileira, decorre da boa-fé objetiva como fonte de deveres de conduta (análise da obrigação como uma relação jurídica complexa), e vem sendo aceita pela doutrina pátria, conforme entendimento consolidado na I Jornada de Direito Civil:

Enunciado n° 24, I Jornada de Direito Civil: Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no CC 422, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.

Menezes Cordeiro atenta para o fato de a violação positiva de contrato atualmente também estar relacionada ao cumprimento imperfeito do contrato.

Extensão do princípio: envolve toda a conclusão do contrato, incluindo, assim, as fases pré-contratual (culpa in contrahendo) e pós-contratual (culpa post factum finitum).

Enunciado n° 25, I Jornada de Direito Civil: O CC 422 não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual.

Enunciado n° 26, I Jornada de Direito Civil: A cláusula geral contida no CC 422 impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento legal dos contratantes.

Funções da boa-fé objetiva: a doutrina aponta que a boa-fé objetiva apresenta função tríplice, a saber:

- função interpretativa (boa-fé enquanto cânone interpretativo-integrativo): as relações jurídicas decorrentes do contrato devem ser interpretadas à luz da boa-fé. Tal mandamento se direciona tanto às partes envolvidas no contrato quanto ao magistrado. A função interpretativa está contida no art. 113, CC.

- função criadora de deveres jurídicos (boa-fé enquanto norma criadora de deveres jurídicos): a boa-fé objetiva é fonte dos deveres de conduta (deveres anexos, deveres secundários, deveres laterais). Nesse sentido, v. Clóvis Couto e Silva (A Obrigação como Processo)

- função de controle (boa-fé enquanto norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos): a boa-fé objetiva, combinada com a disciplina jurídica do abuso de direito (art. 187, CC/2002) para considerar ilícitos os atos atentatórios à boa-fé objetiva e, por isso, proibir sua execução (Menezes Cordeiro: exercício inadmissível de direitos subjetivos). Ex: teoria dos atos próprios (venire contra factum proprium, tu quoque, supressio, surrectio e duty to mitigate the loss).

OBS: Há autores (e.g. Cláudia Lima Marques) que visualizam a equivalência material dos contratos como outra função autônoma da boa-fé objetiva.

e) outros princípios importantes:
Dignidade da pessoa humana - art. 1°, III - CRFB

Relatividade dos efeitos contratuais – funda-se ideia de que os efeitos do contrato só se produzem efeitos em relação à partes, àqueles que manifestaram a sua vontade, não afetando terceiros. No entanto, há algumas exceções expressamente consignadas na lei, permitindo estipulações em favor de terceiros, reguladas nos artigos. 436 a 438 CC/02 (comum nos seguros de vida, nas separações judiciais consensuais) e convenções coletivas de trabalho, por exemplo, em que os acordos feitos pelos sindicatos beneficiam toda uma categoria.

Atipicidade (art. 425, CC/02) - "É lícito as partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código."

Bibliografia:

Glagiano, Pablo Stolze – Novo curso de direito civil, volume IV: contratos, tomo 1: teoria geral / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho – 3 ed. Ver. e atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2007.

Pimentel, Ademir Paulo – Contratos / Ademir Paulo Pimentel, Fernanda Pontes Pimentel – Rio de Janeiro: Impetus, 2003.

Gonçalves, Carlos Roberto – Direito civil: direitos das obrigações: parte especial, volume 6, tomo I: contratos / Carlos Roberto Gonçalves – 6 ed. atual. de acordo com o Novo Código Civil – São Paulo: Saraiva, 2002.